Informação do seu jeito
Em 2008, o Ministério Público de São Paulo abriu inquérito para investigar uma possível discriminação racial na São Paulo Fashion Week (SPFW). À época, apenas 3% dos modelos que participavam do evento eram afrodescendentes, negros ou indígenas. Meses depois, a organização da SPFW aceitou assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que se comprometia a estimular as grifes a cumprir uma cota de 10% desses modelos por desfile. O TAC funcionou bem... até o mês passado, quando “vencia” sua validade. Com o fim da obrigatoriedade de o evento promover as cotas, o que se viu nas passarelas foi uma nova onda branca.
A denúncia foi feita hoje pelo jornal Folha de S.Paulo, em matéria de Nina Lemos e Vitor Angelo. Algumas grifes, segundo eles, tinham apenas uma modelo, que se repetia em todas: a top Bruna Tenório, descendente de indígenas. Outras “até colocaram” alguns negros, mas longe dos 10% estabelecidos pelo MP.
Mas o pior de tudo são as justificativas para não empregá-los. Uma delas é a falta de mão de obra no mercado. É, de fato, a população afrodescendente nem é a maioria do país, deve ser difícil mesmo encontrá-los... Outra desculpa é o pouco poder aquisitivo dos negros. “Os negros no Brasil, por razões históricas, são pobres e não consomem moda. Por isso, as marcas não querem associá-lo aos seus produtos”, declarou à reportagem o booker Bruno Soares.
Esse tipo de afirmação e outras como “valorizar o negro é inverter o preconceito” só me levam a concluir que, realmente, o mundo da moda não entendeu nada do que o MP queria mostrar. Cotas são uma medida reparatória. Sua ideia é justamente compensar alguma situação de inequidade profunda contra um grupo social ou uma etnia. Assim, se os estudantes de escola pública, em geral de uma classe social desfavorecida, não conseguem ter acesso ao Ensino Superior, cria-se, temporariamente, uma cota para isso. Da mesma forma as mulheres na política ou em cargos de direção.
São espaços em que o preconceito é tamanho que é necessário intervir para alterar uma situação que, se deixássemos apenas a cargo da passagem do tempo, talvez demorasse séculos para mudar. E o argumento não se limita a esse ponto: além do caráter distributivo, as cotas também têm o objetivo simbólico de chamar a atenção para uma determinada questão e, na medida do possível, alterar a cultura social e política em torno dela.
Ou seja, precisamos sim ver negros, afrodescendentes e indígenas nas passarelas da SPFW. Eles existem e não podem ser invisibilizados em nenhum espaço. Só é uma pena que o MP precise dizer, de novo, isso. E a um evento que, pela ousadia e ineditismo que costumam estar atrelados às áreas de criação e da moda, deveria ser precursor no enfrentamento ao preconceito.
Maíra Kubík Mano é jornalista. Doutoranda em Ciências Sociais na Unicamp, estuda a relação entre a mídia e as mulheres. Foi editora do jornal Le Monde Diplomatique Brasil e editora-assistente da revista História Viva, além de trabalhar como freelancer para vários veículos de comunicação. Tem pós graduação em Gênero e Comunicação no Instituto Internacional de Periodismo José Martí, em Havana, Cuba
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A escola que a garotada hoje não leva a sério, razoavelmente, oferece um professor sem uma remumeração satisfatória para o seu desempenho saudável e uma merenda que em muitas escolas a qualidade é questionável; mas não ou nunca investigável! Os concursos de beleza praticamente foram instituidos no país para dar a noção e idéia da procedencia do belo e firmar um conceito.
Seria anacrônico comparar tempo ou querer entrar em merito do momento em que eu estive na condição de estudante numa escola pública; no entanto, é estúpido e ingênuo querer desconsiderar que o fato de um professor não ter condições de se reciclar não influencia... É ingênuo demais acreditar que professores devem ir para às escolas e todos os dias procurar tirar um coelho diferente da cartola!!! Um profissional em educação precisa fazer cursos, estar comprando livros, participando de eventos e procurando aprimorar sua vida acadêmica - estou afirmando que um profissional em educação para ter tamanha disposição, tem que fazer uma carga horária de leão para tentar um fôlego que dê condições de correr por alguma perspectiva no setor! outra coisa, é preciso acabar com a imbecilidade de não querer ver que a vida escolar não se resume aos muros da escola; aliás, apesar da LDB tentar deixar isto claro, a coisa funciona por outros lados... É verdade que a propria LDB tem suas contradições e isto só ajuda ao trabalho contra-educação no país. No entanto, conforme a menina Ane Carine "(...) as escolas, em sua maioria, fazem esse trabalho muito bem, e por conta desta eficiência é que as crianças não dão bola para a escola, preferem ficar onde conseguem se enxergar e serem enxergados (sejam como profissionais dignos que dispensam um aparato científico formal ou como marginais da sociedade)as escolas, em sua maioria, fazem esse trabalho muito bem, e por conta desta eficiência é que as crianças não dão bola para a escola, preferem ficar onde conseguem se enxergar e serem enxergados (sejam como profissionais dignos que dispensam um aparato científico formal ou como marginais da sociedade)...
Só mais um detalhe: quando comentei, fiz a observação sobre o conjunto de experiências que compreendem a vida escolar e não salário de professor.
A denúncia apesar de ter este título, nada mais é do que uma constatação do que é vivenciado todos os dias na mídia: o ideário de beleza pautado no eurocentrico. No entanto não acredito que este veículo seja o único responsável por tentar apagar a nossa beleza e potencialidade, já que as escolas, em sua maioria, fazem esse trabalho muito bem, e por conta desta eficiência é que as crianças não dão bola para a escola, preferem ficar onde conseguem se enxergar e serem enxergados (sejam como profissionais dignos que dispensam um aparato científico formal ou como marginais da sociedade).
Cito isto como uma pedagoga em formação que inicia a sua trajetória em uma Escola Municipal de Salvador e conseggue ver estas atitudes por parte d@s professor@s.
AFROWEEK ia ser demais, mas sugiro que a cada ano fosse em uma capital ou cidade interessante com um histórico de lutas sociais. talvez um momento importante para o movimento.
Também sou professora de escola pública e minha disciplina é educação física, já imaginaram? não querem nada com nada e o governo quer que a gente apanhe em silêncio ( deseducaram e deseducam os pais e os alunos com a política do dar). precisamos continuar a falar, mobilizar, mostrar o que for preciso e possível também para os jovens, buscando uma linguagem acessível, exemplos próximos de sucesso, exemplos ruins para servir de alerta e perseverar...
Creio que a educação é o caminho para a afirmação, porém, como docente de escola pública vejo com tristeza que a garotada não tem levado a escola a sério o que torna o caminho mais íngreme ainda. Vale ressaltar que a nossa etnia é maioria nas escolas públicas.
Olá Maíra.
Parabéns pelo texto, lamento por vivermos em dias atuais tão modernos, em que o Brasil quer atingir bom índice de desenvolvimento humano, sem reconhecer e valorizar o potencial do seu povo trabalhador, escravo e pacifico, seres inteligentes usados pra gerar nossas riquezas a serviço de Um pequeno grupo. A discriminação e o preconceito é um atraso social agravante e causa uma cegueira impressionante tanto nos dirigentes como na sociedade ativa que gera renda. O capital por si não gera riquezas. Quando as riquezas deste País estarão a benefícios da Vida dos trabalhadores/as? das crianças e dos jovens? dos homens e mulheres, chefes de famílias e as pessoas idosas que dedicaram anos a fio, e não têm um envelhecimento digno junto aos familiares? Precisamos refletir e agir ciente da nossa capacidade e direito como cidadãos universais e humanos. Abraço Fraterno. Maria da Paz Góis, Assistente Social.
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