O QUE PODEMOS FAZER PARA POR FIM À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

O QUE PODEMOS FAZER PARA POR FIM À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA:
UMA REFLEXÃO PRELIMINAR


Por Jayro Pereira
Teólogo da Religião/ATRAI
Omo Òrìsà Ògiyán


Desde ontem que em função de uma palestra que proferirei neste dia 21/1/2011 para sacerdotes, sacerdotisas e adeptos em geral da Religião de Matriz Africana e Afro-Indígena da cidade de Recife e região metropolitana, atividades esta organizada pela Diretoria da Igualdade Racial da Prefeitura da capital pernambucana, que fui acometido por verdadeiros delírios conceitualmente falando; pois além de abordar a questão da intolerância religiosa, também deverei e com ênfase falar do Estatuto da Igualdade racial e o respeito à Diversidade Religiosa em que indubitavelmente focarei nas questões dos direitos da Religião de Matriz Africana constante no hipertrofiado estatuto.

A noite foi tomada por um pouco de insônia e hoje pela manhã quando abri a interne e acessei a Rede Afrobrasileira deparando-me com o texto do Pai Sandro de Obaluaye, foi como se algo me acometesse corporificando daí o estimulado para escrever essas mal traçadas linhas, que tem a intenção de apontar algumas saídas que venham a erradicar a intolerância assim como a tolerância, pois é uma ação paradoxal essa que o povo de santo trava na sociedade brasileira.

Aguçando um pouco à memória numa retrospectiva de 1980 do século passado como início da minha militância mais compulsiva contra a intolerância religiosa e lá se vão trinta e poucos anos, a percepção é a de que como num continuum o cenário da intolerância não sofreu quase que nenhuma e significativa alteração. Talvez tenha mudado um pouco no método em que as violências físicas mais cotidianas e as invasões de terreiros diminuíram bastante.

No que se compreende por violência simbólica, esta se redobrou de tamanha forma em que os mecanismos de comunicação têm exercido papal fundamental na difusão dos impropérios que ancorado nos pressupostos da semiologia como seu suporte mais complexo, de forma que atinge o imaginário da massa da população e muito eficazmente.

Desta maneira dissemina-se e se introjeta sentimento de afrotheofobia até porque a intolerância tem um apelo psicanalítico em que os desfavorecidos se utilizam para resolver sua neuroses, culpabilidades entre outros tantos fatores de natureza subjetiva. As nuances da intolerância religiosa são muito mais sérios do que imaginamos.

A intolerância religiosa substancia cada vez mais o racismo, os estigmas, estereótipos, os preconceitos e a discriminação que histórica e secularmente se abate contra a teologia afro-filosófica dos cultos às Divindades afro-brasileiras e isso, sem que a hodierna política governamental que tem atuando mediante ações de valorização, reconhecimentos de direitos e na efetivação de políticas públicas sejam o suficiente forte para banir a intolerância e a tolerância religioso como sinônimos de uma convivência naturalizada com as diferenças religiosas, em particular, com a Religião Afro-Indígena. A intolerância tem a cada dia retroalimentado em nós religiosos afros o nosso lugar marginal na sociedade.

A sua visão maniqueísta de mundo nos reserva o culto do mal enquanto elas, as denominações de proselitismo exacerbado e beligerante se anunciam como do bem. E é nesse sentido que indistintamente todas as tradições do campo judaico cristão são direta ou indiretamente intolerantes e a omissão confirma essa realidade.

A intolerância religiosa tem nos levado a invisibilidade, pois a maioria dos adeptos/as não corre mais o risco de circular nos logradouros públicos visibilizando insígnias, adereços ou outros apetrechos denotadores de pertencimento religioso afro. Quem continua fazendo isso a exemplo do Baba Sandro sofre com os estranhamentos, com as indiretas ou diretas e ainda corre o risco de ser submetido a ação de exorcismo, em que a surra de bíblia tem sido a forma mais comum de atuação dos evangélicos que tem na intolerância o seu modus operandi.

Para não me alongar muito e finalizando essa contribuição ao debate e à reflexão, ouso aqui fazer algumas sugestões. Antes gostaria de pontuar até onde pude ver as três intervenções na Rede com relação ao texto do Pai Sandro que foram Luiz Rafael Culik Guimarães por duas vezes consecutivas, da Célia M. B. Carvalho e por fim da Elizabeth (Mãe Bete).

Afora as falas que apelam para autoestima pelo fato de se ser do santo vendo nisso a força para enfrentar os desafios da intolerância religiosa, uma das duas falas das mulheres contém um enfoque pertinente. A Célia diz que: “[...] com certeza o momento de nos impormos enquanto religião.

Mas, antes de esperarmos que nos respeitem, precisamos nos respeitarmo-nos, unirmo-nos, irmanarmo-nos. Esconder-se não é o caminho”. Mais adiante Célia sugere que argumentos sejam treinados para se manter viva a liturgia. Aqui fica explicito a necessidade de estudo segundo o que me pareceu. A internauta está propondo conhecimentos das leis e língua afiada com conhecimento acerca da teologia e da filosofia da Religião, terminando com o apelo para a educação dos adeptos e filhos nas verdades religiosas afros. No depoimento da Elizabeth intolerância religiosa e racismo se explicitam como faces de uma mesma moeda.

O fiel da Tradição dos Orixás, dos Inkices, dos Voduns, da Umbanda ou da Jurema, ele ou ela pode ser de qualquer nacionalidade anglo-saxônica, germânica, etc., mas se apresentar publicamente com paramentos e insígnias que denotem relação iniciática em qualquer das Tradições Religiosas de origem africana, automaticamente passa a ser discriminado, olhado não mais com bons olhos. E nessa hora, a exemplo de Roger Bastide, é preciso afirmar-se como ‘africanus sum’ (CAPONE, 2090, p. 130).

Nas andanças por esse país tenho reiteradamente dito que a intolerância religiosa que se abate contra a Religião de Matriz Africana e Afro-Indígena, isso para englobar as Leis 10.639/03 e a 11.645/08, só será debelada mediante a luta política dos adeptos que para isso exige unidade de todos nós, das ações jurídicas impetradas contras as denominações e os meios utilizados por elas para disseminar a intolerância e, sobretudo, a luta epistemológica em que a hierarquia, os detentores de senioridade iniciática na condição plena de Ministros Religiosos de Cultos Afros, sejam portadores/as ou se constituam em detentores de afroapologética qualificada e embasada teológica e filosoficamente de acordo com os axiomas civilizatórios da cosmovisão africana e afro-diaspórica, de cuja argumentatividade pública se manifeste de forma inesgotável e teoricamente imbatível.

Também penso que pensar em Casas Templo, em Comunidades-Terrei@s é para além de um espaço de culto, religioso, de celebrações, de rituais, etc., é dotar esses territórios de instalações adequadas para desenvolvimento de projetos pedagógicos de cujo aprendizado estejam alicerçados nessa particular visão de mundo que o ocidente e suas estruturas de manutenção insistem em ignorar e a inferiorizar.

Os Templos Afros precisam estar abertos à comunidade e não esporadicamente. As Casas Templos precisam interferir na formação das populações circundantes, do entorno dos Terreiros. Que vai transformar a visão erronia da sociedade para conosco e erradicar a intolerância religiosa somos nós seus adeptos, intelectuais que também constituindo os Terreir@s como lócus de estudo e pesquisa, nos comprometamos em elaborar, produzir massa crítica que desautorize as pesquisas e os estudos de forâneos que só têm corroborado para solidificar a imagem negativa da sociedade, com as devidas exceções. Parafraseando o presidente dos Estados Unidos Barack Obama, finalizo dizendo que “nós podemos”, mas sem para não perder o ensejo chamar a atenção para a discussão imperiosa sobre teologia e filosofia compara das Religiões de Matriz Africana e Afro-Indígena.


Àse, Nguzo



Referência

CAPONE, Stefania. A busca da África no candomblé: tradição e poder no Brasil. Tradução Procópio Abreu. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria / Pallas, 2009.

Exibições: 203

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