Informação do seu jeito
Um homem passeia tranqüilamente por um parque em Nova York, quando, de repente, vê um cachorro raivoso a ponto de atacar uma aterrorizada menininha de 7 anos.
Os curiosos olham de longe, mas, mortos de medo, não fazem nada. O homem não titubeia e se lança sobre o cachorro, toma-lhe a garganta e o mata. Um policial que viu o ocorrido se aproxima, maravilhado, dizendo-lhe:
- O senhor é um herói! Amanhã todos poderão ler na primeira página dos jornais: "Um valente nova-iorquino salva a vida de uma menininha."
O homem responde:
- Obrigado, mas eu não sou de Nova York.
- Bom - diz o policial - Então dirão: "Um valente americano salva a vida de uma menininha."
- Mas é que eu não sou americano - insiste o homem.
- Bom, isso é o de menos... E de onde você é?
- Sou árabe - responde o valente.
No dia seguinte os jornais publicam:
"Terrorista árabe massacra de maneira selvagem um cachorro americano de pura raça, em plena luz do dia, em frente a uma menininha de 7 anos que chorava aterrorizada."
Essa conhecida “Fábula do Cachorro Americano” serve para ilustrar como uma história pode ter várias versões e como as versões são manipuladas por quem as conta com um objetivo nem sempre explícito. Hoje em dia há um enorme volume informação disponível, veiculado por meio das mídias tradicionais e digitais, incluindo-se aí as redes sociais, e consequentemente muitas histórias são contadas de diversas formas, com variadas intenções.
Diante de tanta informação, há os que acreditam em tudo que lêem e até distribuem com o famoso “repassando” que se traduz por “ não fui eu quem escreveu, não sei se é verdade, nem procurei saber, mas estou divulgando” . E é assim que se divulgam falsas verdades e boatos de todo tipo. Um desses boatos eletrônicos conta que Tommy Hilfiger fez declarações de cunho racista no programa da Oprah Winfrey. Muita gente divulgou, com o supostamente inofensivo ”repassando”, o email que incitava as pessoas inclusive, a não comprarem produtos da marca Hillfiger. Algum tempo depois, a própria Oprah declarou que Hillfiger nunca tinha estado em seu programa e aí então o convidou a ser entrevistado quando ele desmentiu o boato.
Mais recentemente recebi um email denominado “A Presidenta Ignoranta” que adiciona uma explicação de um tal Hélio Fontes o qual argumenta que o vocábulo “Presidenta” não existe. Destaco os seguintes trechos do email:
Agora, o Diário Oficial da União adotou o vocabulário presidenta nos atos e despachos iniciais de Dilma Rousseff. As feministas do governo gostam de presidenta e as conservadoras (maioria) preferem presidente, já adotado por jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão. Na verdade, a ordem partiu de Dilma: ela quer ser chamada de Presidenta. E ponto final.
A candidata à presidenta se comporta como uma adolescenta pouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta. Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violar o pobre português, só para ficar contenta..."
Bem, o conhecido professor Pascuale Cipro Neto(“Nossa Língua Portuguesa”) confirma que ambas as formas são corretas. Quatro dos dicionários mais conhecidos e reputados , ou seja, o Aurélio, o Houaiss, o Michaelis e o Silveira Bueno trazem o vocábulo “´presidenta”, a Lei 2.749 de 1956 (assinada por JK e não por Dilma Rousseff) admite e recomenda que se use governadora, presidenta, etc , nos casos em que a gramática assim admita. Num fórum de discussão um internauta afirma que:
Não sabemos ao certo desde quando é que este registro lexicográfico é feito, mas a palavra constava já do Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo (1913) ou do Vocabulário Ortográfico e Remissivo da Língua Portuguesa de Gonçalves Viana (1914). Ou seja, há, praticamente, 100 anos!
Refira-se ainda que Cândido de Figueiredo registra este vocábulo como neologismo (em 1913, pelo menos) e abona o seu verbete com uma referência à obra As Sabichonas, de António Feliciano de Castilho (1872), versão livre da comédia de Molière Les Femmes Savantes, onde a personagem Pancrácio se dirige várias vezes à personagem Teodora como "presidenta".
Bem, não tenho dicionários de 1913 mas em casa existe um Aurélio, edição de 1980 (30 anos antes de Dilma tomar posse) onde consta o termo presidenta. A meu ver , a intenção do texto não é discutir a gramática e, sim destacar autoritarismo e arrogância como características que o autor considera mais marcantes na Dilma, além de desqualificar o seu nível intelectual. Este tipo de crítica, quanto ao nível intelectual , era comum e supostamente fácil de ser feito com o Lula porque ele cometia erros primários no uso da língua. Como a Dilma não comete tais erros, o autor apelou a uma questão polêmica para, no fundo, dizer “a Dilma é arrogante, autoritária e burra”. Observe-se que o trecho final do texto menciona “a candidata a presidenta” ao mesmo tempo em que inicia afirmando que Dilma deu a ordem de ser tratada como presidenta nos documentos oficiais. Tratar a já presidenta ou presidente como “candidata” certamente evidencia uma tentativa de desqualificar a pessoa, uma vez que legal e oficialmente Dilma ocupa tal cargo.
Estes – Hilfiger e Dilma - são apenas dois exemplos de como se tenta manobrar a opinião alheia a partir dos interesses de quem produz e/ou veicula a informação. Por isso precisamos estar atentos às linhas e entrelinhas, à posição de quem escreve (quem é, de onde fala, para quem trabalha, em quê acredita, quais os interesses). Ao ler um texto, precisamos ter senso crítico aguçado (será que é assim ou só pode ser assim?) e também investir mais tempo em ler além das manchetes, dos títulos e subtítulos, ir além dos 140 caracteres do Tweeter e ler distintos textos e opiniões sobre o mesmo assunto, antes de decidir no que acreditar. Inclusive dando-se o direito de ser uma metamorfose ambulante a ter aquela velha opinião formada sobre tudo, como cantava Raul Seixas. Lembremo-nos de que todo ponto de vista é a vista de um ponto. E de que a liberdade de expressão não pode aprisionar a nossa liberdade de pensamento.
A.C. Ferreira
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