Informação do seu jeito
Retratação a Heraldo Pereira foi conversa fiada
O pagamento da indenização e retratação de Paulo Henrique Amorim (PHA) ao jornalista Heraldo Pereira não foi suficiente para convencer o réu de ter praticado ato racista. Antes e depois de sentar no tribunal, PHA e seus pares tentaram desconstruir a todo custo a legitimidade da indignação de Heraldo. Tentaram tergiversar o debate para arena ideológica, onde a Heraldo caberia o papel de reforçar o ar pejorativo de "ser negro de alma branca", a serviço de idéias conservadoras, e os movimentos negros a possibilidade de serem coagidos ou cooptados no posicionamento. Também tentaram criar interpretações dúbias, amenizar o ocorrido. Ao final, PHA desdenhou da Justiça, não publicou na data correta a retração e ainda fez comentários críticos, numa demonstração que sua consciência continua indiferente a gravidade do que cometeu. Felizmente a estratégia de PHA falhou, e acabou por reforçar como a situação se enquadra no complexo sistema de preconceito racial brasileiro.
A questão se inicia com uma interrogação: PHA proferiu um ato racista no seu blog Conversa Afiada e por isso foi julgado num tribunal? Sim. Não só por proferir o termo "negro de alma branca" , mas todo o contexto que trata Heraldo como submisso de Gilmar Mendes, profissional que ascendeu sem méritos e que faz "bicos" na Rede Globo. PHA sintetizou elementos sofisticados do racismo nacional, contextualizou a cor da pele para depois se colocar em tom de superioridade.
Heraldo ganhou a causa, através da retratação pública e indenização de R$ 30 mil a ser paga por PHA e posteriormente doada a instituições de caridade. Costurar um "acordo" ou "conciliação" nesses casos é instrumento comum do judiciário. Por um lado, mecanismo “autoincriminatório”, por outro, a não condenação, abre brecha para atenuar a acusação. Aliás, quem é condenado explicitamente por racismo no Brasil? Advogados que lidam com a questão racial sabem que dificilmente o judiciário brasileiro ia dar ganho de causa integral a Heraldo, e o que foi obtido não pode ser minimizado.
Para tentar desfocar o tema da pauta racial, PHA e alguns dos seus pares, passaram a cobrar os serviços prestados aos governos Lula e Dilma. Tentaram transformar PHA num bastião de projeto transformador, mas esqueceram que ele sustenta a ala dos apoiadores fisiológicos. Aqueles que ao apoiarem projetos construídos inicialmente pela esquerda, costumam carregar um pacote pesado demais de contrapartidas.
Atualmente PHA não é mero empregado da Rede Record, é formulador do discurso editorial, apresentador dominical e tem programa semanal de entrevistas. A Record por sua vez não tem nenhuma autoridade ética no quesito étnico-racial, ao ser comparada com a Globo, empresa que trabalha Heraldo Pereira. É de conhecimento de todos que a Record é de propriedade de Edir Macedo, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e responsável por reciclar o racismo brasileiro, em especial ao buscar destruir um ponto sagrado: as religiões afro brasileiras. Entre o racismo da Globo - explicitado nas idéias de Ali Kamel - e o da Record, sinceramente, não é para se ter cumplicidade com nenhum dos lados. O fato da Record ser eixo de sustentação dos governos mais à esquerda no país não a torna isenta, muito menos a emissora é o caminho que ideal para democratizar o setor comunicacional.
Globo e Record não são cúmplices apenas no quesito preconceito étnico-racial, ambas são integrantes da Associação Brasileira de Empresas de Rádio e TV (Abert). Essa Associação se retirou e condenou a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e o Conselho Estadual de Comunicação da Bahia. A Abert atua para impedir reformas democratizantes nas comunicações do país em pontos cruciais como conteúdo (continuar a praticar o proselitismo religioso na programação), e propriedade (“laranjas” e parlamentares concessionários).
Mesmo que a Record não estivesse no contexto, PHA também não estaria imune. Defender muitas idéias de esquerda ou progressistas não é sinônimo de compreensão da questão racial. A esquerda em geral não é imune quanto o tema é étnico-racial. O cubano radicado no Brasil, Carlos Moore, sistematizou como poucos as teses racistas na origem do marxismo, bem como o tratamento pejorativo que a pauta racial teve e tem na Revolução que ajudou a construir no seu país. Ainda assim, a partir do século XXI a esquerda se tornou o melhor caminho para avançar a pauta no Brasil, mas não é o único.
Aos que querem realmente ver a questão étnico-racial com pauta prioritária nos espaços de poder, é o momento de aplicar a realpolitik. Dialogar e compreender os meandros da política brasileira. Entender que muitos não se sentem acolhidos nas citações, entre vírgulas, dos discursos de plenária. É o momento de construir maiorias, ir além das caixas que são reservadas, desde que mantenha a integridade dos seus propósitos, algo que nem sempre a esquerda consegue.
Neste embate, Heraldo conseguiu aplicar a realpolitik, abriu brechas em pólos tidos como antagônicos, porém cúmplices quando o assunto é racismo. Pereira foi o primeiro negro a apresentar o principal telejornal do país, o Jornal Nacional. Conseguiu superar a barreira da invisibilidade e o estigma de incompetência dado aos negros e negras. Pereira é um trabalhador, empregado, não se tem conhecimento do seu pertencimento ao núcleo conservador da Globo. Além de sentir na pele, não é nenhum alienado no debate racial, conforme sugere Paulo Henrique. Sua trajetória é motivo de orgulho à população brasileira, mais ainda aos negros e negras.
Heraldo também se libertou das correntes ideológicas da empresa onde trabalha. Por vezes o caso se desviou para um falso embate entre Globo x Record, forçando o conglomerado da família Marinho fortalecer direta e indiretamente argumentos contrários ao que prega Ali Kamel. Em partes, Heraldo venceu Ali Kamel, dentro de um contexto que é trabalhar nas organizações Globo. Quanto a Paulo Henrique Amorim, trabalhou na Veja, Globo e agora para Record, e continua a contribuir com um dos temas mais caros ao poder conservador no Brasil: o racismo.
Pedro Caribé é jornalista, associado do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, titular do Conselho Estadual de Comunicação da Bahia.
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Puxa Pedro. estamos andando em círculos... melhor continuar este assunto em outro momento quando o tempo fizer amadurecer mais essas idéias...
Fraternalmente,
SARAH
Sarah, vá ler a entrevista com Heraldo Pereira na revista Raça, é histórica, e confirma toda a minha leitura, de alguém que acredita no coletivo tanto quanto no indivíduo em alcançar vitórias no debate racial. Veja um repórter do jornal nacional defender as cotas.... http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/165/artigo255164-3.asp
Pedro, é uma pena vc estar tão preso a caixinhas e formas pré-moldadas que não conseguiu perceber que a discussão que quero travar não está neste patamar maniqueísta, dicotômico, binário, cansativo e desgastado de esquerda X direita. Não sou mais de esquerda do que ninguém e não disse em nenhum momento que você era individualista, mas a realpolitik é! E eu caro Pedro, não vendo nada!
Sarah, é uma pena você se achar mais de esquerda, ou tentar colocar o rótulo de que sou individualista, um mero pragmático e etc. Só não vendo mentiras. abs
Perdoe-me se o fiz lembrar da condição de humanidade que permeia todos nós sapiens sapiens!
Sarah, qnd o debate entra com adjetivos como arrogância e etc... estou fora. Nem li o resto. abs
pedro
O mais engraçado destas discussões é como conhecidos se desconhecem!!
Pedro, se liberte desta ânsia (e talves arrogância, a julgar pelo cometário de domingo que você excluiu) em ganhar este debate, não é esta a minha intenção, se assim fosse não teria abandonado esta discussão que me parecia estar caminahando para uma esterelidade e só tendo voltado porque percebi que efetivamente eu estava sendo mal interpretada, que na minha visão é pior que ser incompreendida. Alem do mais tenho tempo muito escasso para estes passatempos...
Pedro, poderia colocar a discussão num patamar teórico, explorando as bases hitóricas e filosóficas da ciência política que sustentam a ideologia da realpolitik. Não o fiz e não o farei por achar extremamente enfadonho e pedante sustentar uma discussão em argumentos livrescos, mesmo sabendo que a condição de cientista social tenha me oportunizado leituras que não circulam em outros meios acadêmicos. Mas não sou afeita a utilização da condição de autoridade ou de especialista para me sobressair em um debate (estratégia muito utilizada também em debates da questão racial). Assim como poderiamos fazer também um debate mais profundo e téorico do significa a esquerda no poder no Brasil, a desigualdade entre discurso e prática e mais que isso, poderíamos discutir sobre o desencanatamento da intelectualidade ou das classes médias pelo exercício da política seja ela apenas cidadã ou organizada em partidos políticos. Mas como boa observadora que me considero, percebi que não são os cientistas sociais os catalisadores de transformações sociais, ao contrário na maioria dos casos são os reponsáveis pela inércia e pelo atraso, assim me disponho a debater com quem quer que seja sem traçar uma divisão entre superiores e inferiores, acredito que todos podem tudo!
Pedro, não subestime a minha inteligência! Gostaria que tratasse somente das idéias que apresentei e não fizesse ilações sobre minha forma de pensar, minha postura perante as questões raciais ou sobre a política. Em nenhum momento sugeri que sua opção pela realpolitk fosse consequecia de grilhões, amputações, ilusões, ou qualquer coisa do tipo. Assim como você tem liberdade e direito de se filiar a qualquer corrente política, eu também tenho! Você escolheu a realpolitik eu escolhi a esquerda e não somos nem melhores, nem piores por essas escolhas.
E por último, vou repetir o que estou tentando deixar claro desde o início, é que estamos discutindo racismo e combate a ele. Numa perspectiva histórica de longo prazo para trás e para frente é que podemos avaliar quais estratégias políticas deram mais certo e quais teram mais chance de se consolidar. Parece ser consenso que o racismo é elemento estruturante das relações sociais no Brasil e assim deve ser combatido, com medidas estruturais. Porém, neste bojo de lutas mais amplas estão nossas trajetórias individuais e nossas lutas cotidianas. Lutas, inclusive, bastante primárias como a busca pela sobrevivência ou pelo reconhecimento de nossa competência. Então, não quero julgar nenhum negro ou negra que no bojo de sua trajetória tenha que negociar com seus opressores em busca de lugares melhores. Espero que eles tenham oportunidade de falar sobre isso, e na maioria das vezes esta oportunidade só surge no fim da vida. E isto não vale somente para trabalhadores da TV ou multinacionais, vale para todas as esferas, principalmente o meio acadêmico no meu caso.
Assim, para mim permance como grande questão, esta dolorosa encruzilhada entre projetos ascenção pessoal e projeto de ascenção coletiva que marca a vida de cada negr@ brasileir@.
Saudações,
SARAH NASCIMENTO
Por favor, Sarah, não faça o papel que esperam de nós, que Paulo Henrique Amorim incitou ao utilizar o termo "negro de alma branca", que tem no seu significado histórica cooptar negros para Casa Grande, desde que não deixem de ser negros.
Sarah, realpolitik não tem nada haver com individualismo, o "farinha pouca meu pirão primeiro". Ao contrário, realpolitik tem haver com tomar estratégias pensando que os eixos de suas idéias e interesses avancem de forma sólida, e não apenas residual como acontece hoje na questão racial. O que existe é realpolitik mal feita, a exemplo dos diversos partidos e lideranças políticas signatárias da esquerda fazem no Brasil, que no jogo pragmático, já não sabem mais balancear o ônus e o bônus, dentro do seu contexto histórico, e se perdem na manutenção da ordem estamental brasileira, o estar no poder, nos aparelhos burocráticos, e reproduzir todas as práticas clientelistas.
Sarah, se liberte dos grilhões que tentam amputar a alguns negros, por trabalharem na TV, numa multinacional, ou mesmo nos governos, o estigma de serem negros de alma branca. Eles são negros, e se temos um projeto hegemônico e convincente para a questão racial, temos que agregar nossos irmãos, e não nos dividir.
Sarah, não se iluda, ainda é no mercado, nas multinacionais, bancos e empresas de comunicação que nossa sorte, e também do Estado, é jogada. Precisamos ter e apoiar os negros que estão nesses locais, caso contrário vamos continuar a ser operários de ong´s e fundações, ganhando dois salários mínimos.
abs
Pedro Caribé
A melhor forma de sair de uma polêmica é não entrando nela!!!
Quando fiz o primeiro comentário a este texto de Pedro, não pretendia iniciar uma polêmica, posto que estou de acordo com quase tudo que está ali colocado. Mas como polemista que sou não conseguiria passar ilesa por isto, e o fato de terminar o comentário com uma provocação, fez com que as coisas degringolassem...
Entretanto, não quero desistir de aproveitar o espaço para propor um momento de reflexão mais profunda e, quem sabe, de maior proveito e aprendizado para todos que tem acompanhado este tópico. Insistirei, mesmo sabendo (e concordando com Pedro) que as discussões nestes espaços se tornam muito performáticas e a necessidade de dar a última palavra ou de “ganhar” a discussão faça com que percamos algum nível de razoabilidade e que a tendência ao ataque enquanto forma defesa seja algo recorrente...
Assim, quero recomeçar, me desculpando pela extensão que este comentário pode ganhar. Acho muito deselegante quem, ao comentar, escreve mais que o primeiro autor. A necessidade de síntese das minhas idéias deve ter sido a responsável pela pouca clareza das minhas idéias expostas. Então, agora, num esforço didático eu tentarei ser o mais claro o quanto possa para dirimir eventuais incompreensões...
Já disse que concordo com muito do que está escrito no texto inicial e que senti necessidade de comentar o texto apenas para problematizar a estratégia da realpolitik colocada no texto (talvez) como defesa de Heraldo Pereira.
E só para garantir a clareza, quero reafirmar antes de continuar, como já fiz outrora, que acredito que Heraldo Pereira sofreu de racismo sim por parte de Paulo Henrique Amorim e sim, Paulo Henrique Amorin teve uma conduta racista neste caso! Então, espero ser suficiente, para sair deste binarismo primário ou como gostam outros, deste maniqueísmo: Ou se aprova o texto e está do lado de Heraldo Pereira ou se critica o texto e está do lado de Paulo Henrique Amorim. Não se trata disso!
A minha preocupação estava nas conclusões tiradas por este caro jornalista de um caso que deve entrar para história do racismo na comunicação brasileira e que fez muita gente: militantes, intelectuais, gestores públicos, estudantes, pessoas do meio e etc... queimarem a mufa com o que se poderia tirar de lição dele.
O nó da questão está em defender a realpolitik em oposição à ação e ideologia de esquerda. Este tipo de oposição me fez recordar do processo de constituição do racismo brasileiro e das estratégias de negociação e conflito que negros e negras escravizados ou não lançaram mão na construção de suas trajetórias.
E nem quero chamar a atenção ao fato do nosso autor colocar e evidência a ideologia de esquerda e não o seu pólo oposto a direita, ou qualquer outra coloração ideológica. Embora me pareça que aí esteja o grande risco... mas voltemos a isto mais adiante.
Então, todos nós negros brasileiros lidamos em vários momentos de nossas vidas com pelo menos dois caminhos a ser trilhado na sua vivência/convivência/ experiência cotidiana com o racismo: a de seguir resolvendo cada problema como se fosse o último e buscando a melhor saída comodista para possíveis constrangimentos ou de ir se insurgindo de forma belicosa à violência de todas as formas emanadas do racismo...
Assim, ao meu ver, a realpolitk (e seu pragmatismo realista, sua ação desideologizada, se que isto é possível, sua atuação egoísta) está para a negociação e a ideologia de esquerda (e seu projeto de ascensão das massas, suas utopias, sua ética e moral) está para o conflito.
Por isso eu conjeturava inicialmente sobre a necessidade de se pensar estratégias que agregasse sobrevivência pessoal, vitórias coletivas e combate ao racismo. Esta é uma questão chave para nós em fase de consolidação de nossas carreiras e com idealismos exacerbados. E, principalmente, por que a maioria das personalidades que admiramos já faleceu ou estão no fim de suas vidas ( o que facilita a avaliação de sua trajetórias e amainação de suas contradições)... mas o que sabemos sobre a vivência do racismo da massa dos brasileiros? Quão glorioso é pensar na coragem e destemor de pequenos e grandes heróis de nossa história, mas quantos sapos tantos outros tiveram que engolir???? E quem há de julgar quem foi superior??? Ou que atitude se tomaria em tal e qual situação?
Deste modo, o que o jovem jornalista propõe não me parece em nada novo. Ao contrário é uma marca profunda do racismo brasileiro. É esta visão pragmática e imediatista que sustenta e sustentaram muitos paternalismos, clientelismos, coronelismos entre outros ismos da nossa ação política individual ou coletiva em nosso país, ligados ao racismo umbilicalmente. O realpolitik é o “farinha pouca, meu pirão primeiro”, é o “preferir o pouco certo ao muito duvidoso” é o comportamento que deu margem a cunhagem da expressão “negro de alma branca” do qual já foi muito falado...
E por outro o lado, a perspectiva de insujeição a ordem estabelecida, a busca de conquistas que incluam grandes massas, a subversão, as ações de enfrentamento, incluindo o próprio martírio em muitos casos é a base da ideologia de esquerda desde a Revolução Francesa, onde surge. São estes sentimentos engendrados em homens e mulheres que mesmo tentando uma conciliação em algum momento de suas vidas perceberam que há poucas condições de dignidade numa vida sujeitada, que vitórias parciais ou individuais os afastavam de seus iguais e não fazia do racismo menos violento. Ao contrário, o racismo só se ampliava e refinava.
Então, podemos com franqueza sim, discutir os problemas da esquerda brasileira, que não devem ser poucos. Ou ir além, discutir outras alternativas (ajudaria se colega falasse de seu ‘projeto civilizatório’), mas tendo a clareza que a realpolitik como concebida e utilizada hoje, é instrumento do opressor para manter o estado atual de coisas. E que talvez seja cedo para elogiar o engajamento político de Heraldo ou de qualquer outro trabalhador da TV brasileira.
Segue um artigo de Marcos Resende para contribuir com a bela discussão travada por Sarah x Pedro.
Paulo Henrique Amorim e o Negro da Casa Grande por Marcos Rezende |
"O negro da casa vivia junto do senhor, na senzala ou no sótão da casa grande. Vestia-se, comia bem e amava o senhor. Amava mais o senhor do que o senhor amava a ele. Se o senhor dizia: — Temos uma bela casa. Ele respondia: — Pois temos. Se a casa pegasse fogo, o negro da casa corria para apagar o fogo. Se o senhor adoecesse dizia: — estamos doentes. Se um escravo do campo lhe dissesse ‘vamos fugir desse senhor’, ele respondia: — Existe uma coisa melhor do que o que temos aqui? Não saio daqui. O chamávamos de negro da casa. É o que lhe chamamos agora, porque ainda há muitos negros de casa.” Malcolm X Em um dos seus discursos, cujo trecho reproduzi acima, Malcolm X, um dos maiores ativistas negros pelos direitos civis posicionava-se frente a muitos negros que agem a serviço dos brancos. Negros que não honram a sua negritude e assim prestam um desserviço a comunidade negra, pois aos olhos menos atentos parece que ele ascendeu, mas, na verdade, ele é uma fração que age como serviçal e se coloca sempre ao lado do não negro por algum benefício, seja salarial, seja “meritocrático”, ou por algum tipo de honraria que recebe como forma de gratidão a “serviços prestados”. O nigeriano Wole Sowinka, primeiro negro a receber o prêmio Nobel de Literatura pronunciou a célebre frase: “O tigre não precisa proclamar a sua tigritude. Ele salta sobre a presa e a mata”. Na verdade a postura de alguns jornalistas como Heraldo Pereira demonstra como a frase de Sowinka é tão atual. Ora, é este o mesmo jornalista que se apresenta como um funcionário ou um negro da Casa Grande da Rede Globo e nunca fez um comentário sequer quando a emissora se posiciona contra as cotas, contra as comunidades quilombolas e sobre qualquer tipo de avanço da comunidade negra. Este mesmo jornalista não fez ou faz um único comentário ou reflexão acerca do livro “Não somos racistas” escrito pelo seu chefe, o diretor de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel. Este mesmo repórter se curva frente ao ministro Gilmar Mendes, atitude diametralmente oposta à postura digna, honrada e altiva do Excelentíssimo Ministro Joaquim Barbosa que o enfrenta e diz a verdade acerca da postura de um ministro que representa a elite branca, burguesa, aristocrática, ruralista, machista e homofóbica deste país. Eis que, de repente, o repórter Heraldo Pereira, sempre silencioso frente às maiores questões raciais deste país, sente a sua negritude desrespeitada pelo Jornalista Paulo Henrique Amorim. Sem dúvida a postura é a mesma que Malcolm X dizia em seu discurso. Um verdadeiro negro da Casa Grande.
Daí cabe um desagravo à figura de Paulo Henrique Amorim que, ao utilizar o termo negro de alma branca, nada mais fez do que trazer à tona um debate antigo, mas de forma antagônica à maneira tradicionalmente utilizada. Outrora o termo negro de alma branca era utilizado em casos de negros “educados”, “civilizados” e que agiam como brancos, com toda a civilidade do outro. A expressão era utilizada com a idéia de um sujeito dotado de polidez, um ser letrado, que avançou, apesar das adversidades a que os de sua raça estavam expostos. O que Paulo Henrique Amorim fez foi descortinar a expressão e colocá-la como de fato deveria ser. O termo “negro de alma branca” deste modo caracteriza-se como um negro a serviço de um determinado setor, uma pessoa que não dignifica a sua ancestralidade e origem, ao se dispor a fazer determinado papel, e quando não assume responsabilidade para com os seus. É como imaginar um judeu nazista de pensamento ariano, para mim algo impensável. Evoco então Milton Santos que pontuou: “É por isto que no Brasil quase não há cidadãos. Há os que não querem ser cidadãos que são as classes médias, e há os que não podem ser cidadãos que são todos os demais, a começar pelos negros que não são cidadãos. Digo-o por ciência própria. Não importa a festa que me façam aqui e ali, o cotidiano me indica que não sou cidadão neste país… (sic) o meu caso é o de todos os negros deste país, exceto quando apontado como exceção. E ser apontado como exceção além se ser constrangedor para aquele que o é, constitui algo de momentâneo, de impermanente, resultado de uma integração casual”. Enfim, o que envergonhava Milton Santos serve de júbilo para Heraldo Pereira. Uma lástima para nós, verdadeiramente negros de alma negra. Marcos Rezende Membro do Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos e bacharel em História, Marcos Rezende lecionou em escolas públicas e particulares buscando aproximação dos alunos com a história da cidade, enfatizando a questão da desigualdade social e racial. (*) Rezende testemunhou a favor de Paulo Henrique Amorim no processo no Crime. Jean Wyllys concordou também em ser testemunha no processo Cível. E só não testemunhou porque PHA aceitou fazer um acordo com Heraldo Pereira de Carvalho, para encerrar a ação. Já que Heraldo assinou o documento em que diz que PHA não usou a expressão “negro de alma branca” “com “conotação racista |
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